Esta parte diz respeito à sétima arte, os filmes, aborda também a indústria cinematográfica.
A TRANSIÇÃO DA ARTE DO CINEMA PARA A INDÚSTRIA CINEMATOGRÁFICA ABORDANDO OS FILMES BLADE RUNNER E TEMPOS MODERNOS
CINTI, Paulo Anderson; GONÇALVES, Renato Aurélio; SOUSA, Leandro Ernandes de; ANDRADE, Tarcísio Pessoni.
Resumo: Comparando cinema e teatro é possível afirmar que o ator do teatro representa de maneira significativa seu personagem pela razão de incorporá-lo transmitindo da maneira mais real possível o que se deseja comunicar, enquanto o ator do cinema distancia-se desta incorporação por conseqüência das técnicas de reprodução e manipulação técnica. O filme Tempos modernos (1936), de Charles Chaplin, não dispunha de tantos recursos tecnológicos, e conseguia através da representação do ator transcender seu personagem de maneira mais real do que no filme Blade Runner (1982), época na qual recursos como montagens, cortes e direção agem de forma mais profunda em sua produção. Este é considerado como um marco na inserção de Merchandising no cinema. Este estudo tem como foco analisar e comparar os filmes em questão, e verificar o que mudou na transição do cinema arte (Tempos Modernos) para a indústria cinematográfica (Blade Runner), analisando meios de reprodução técnica, um dos responsáveis pela alteração de formatos.
Palavras-Chave: Meios tecnológicos, Cinema arte, Indústria cinematográfica.
INTRODUÇÃO
O filme Tempos modernos, de Charles Chaplin de 1936 é um clássico do cinema. Neste a arte de representar, a preocupação em transmitir mensagens de cunho social e protestar as transformações causadas pela Revolução industrial era a essência de sua mensagem. Nos filmes de Chaplin, é possível notar a ausência de qualquer tipo de propaganda com interesses comerciais, que supostamente ainda não se fazia necessário. Chaplin representava no cinema com o objetivo de comunicar a realidade de forma artística, mesmo sem o recurso da fala e todo o aparato tecnológico que vemos hoje, o brilhantismo da representação era o grande merecedor da atenção dos espectadores, o ator era contemplado simplesmente pelo seu poder de incorporar de forma significativa o personagem e mostrar como é a realidade humana através da Mímica do robô.
Já o filme Blade Runner (1982), dirigido por Ridley Scott, é um marco da indústria cinematográfica como uma das pioneiras na inserção do Merchandising. A utilização deste método dentro do contexto do filme proporcionou uma nova consideração do tipo de cinema, este, por uma série de motivos como a falta de naturalidade na representação e o forte REC – Revista Eletrônica de Comunicação - © Uni-FACEF 2007 – Edição 03 – Jan/Jun 2007 empenho comercial. Blade Runner deixou de lado, de certa forma, o real significado da arte, tornando-se um dos precursores da indústria cinematográfica, mostrando em várias seqüências o uso da técnica do Merchandising.
O surgimento de novos meios e recursos para produção dos filmes deu inicio à transição do cinema mudo para o cinema falado, abrindo espaço para novas modificações, como a inserção de propagandas com interesses comerciais, visto que a produção neste novo formato amplia-se consideravelmente em relação ao cinema mudo. Por outro lado, o Merchandising inserido no enredo de um filme oferece um ambiente mais real, mais próximo do ambiente capitalista e, com força suficiente para persuadir o espectador, motivando-o a comprar um determinado produto.
Cinema arte ou indústria cinematográfica? A questão não é analisar se há ou não propaganda dentro de um filme e, sim, o tipo de produção a ser realizada, comparando os meios de produção existentes na época do lançamento de “Tempos Modernos” e os existentes na época do filme “Blade Runner”; e claro, mostrar como ocorreu a transição de um para o outro pela mudança dos meios, em que o cinema deixou de ser o que era.
REFERENCIAL TEÓRICO
Com a análise das obras “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade” de Walter Benjamin, “O mundo real do rolo” de Marshall McLuhan, “Panorâmica sobre a 7ª arte” de Robert Claude e “Compreender o cinema” de Antonio Costa, é possível encontrar informações sobre a transição das características reais do cinema para o que é conhecido hoje como indústria cinematográfica, e como os avanços modificaram o formato original do cinema que hoje quase não existe mais.
No livro “A panorâmica sobre a 7ª arte”, o autor faz um breve comentário sobre o cinema atual, que, fica mais evidente na seguinte passagem:
“É que o filme é, ao mesmo tempo, obra de arte e empreendimento comercial, criação do espírito e produto duma técnica de recursos delimitados. Durante a gestação duma obra cinematográfica intervêm, sem cessar, contingências financeiras, econômicas, materiais, que impõem limites à sua concepção e métodos à sua realização”.(Robert Claude, 1982)
Toda ação traz uma conseqüência, e com a transição do cinema para a indústria cinematográfica, não foi diferente. Em seu formato original, o cinema valorizava a arte da REC – Revista Eletrônica de Comunicação - criação, ou seja, não havia preocupação com inserção de propagandas de cunho comercial e obtenção de alta lucratividade.
A indústria cinematográfica tem como grande parte da fonte de renda o Merchandising e patrocínios que o filme recebe de determinadas empresas ou pessoas interessadas em endossar o projeto de filmagem.
“Publicidade. Tudo é acionado para atrair o público: um título choque (...), os nomes das estrelas, desenhos insinuadores (...), um slogan e, para os entendidos, o nome do diretor e a menção dos prêmios recebidos”.(Robert Claude, 1982).
André Malraux conseguiu definir o cinema atual em apenas uma frase: “O cinema é uma arte. Além disso, é também uma indústria”. De acordo com dados da Revista Época1 On-line de 21/01/2002, o filme Blade Runner, ao ser lançado, custou US$28 milhões, um valor extremamente alto se compararmos ao filme Tempos Modernos, que quase não dispunha de recursos financeiros.
Segundo Metz e Stahr a instituição cinematográfica tem a ver com economia, com o propósito de encher as salas. Ela tem a ver com ideologia, e segue a tendência de produção do mundo.
“Está no cinema. Diante de meus olhos passam as imagens do filme hollywoodiano. Hollywoodiano? Não necessariamente. As imagens de um daqueles “filmes”, simplesmente no sentido mais comum que tem a palavra – de um daqueles filmes que a indústria cinematográfica tem hoje a função de produzir. A indústria cinematográfica em sua forma atual. Por que estes filmes não são apenas milhões que é preciso investir e tornar lucrativos para então recuperar dividendos e reinvestir. Eles pressupõem também, ao menos para assegurar o circuito de retorno do dinheiro, que os espectadores paguem o ingresso e que sintam vontade deles (...)”. (Metz, 1977, 133)
Partindo do pressuposto do que realmente significa o cinema, podemos dizer que é técnica, cultura, arte, divertimento e indústria. O cinema depende de qual ponto de vista é analisado. Cada um deles tem o seu fundamento, não podendo ser descartado.
Segundo as análises de Benjamin, o cinema quando comparado ao teatro apresenta uma diferença significativa: a atuação do ator no teatro é direta, e no cinema é indireta, em função dos cortes e técnicas de reprodução. Benjamin argumenta que uma obra de arte não se reproduz, pois possuí áurea, autenticidade e unicidade.
Por mais que Benjamin analise a pintura em seu estudo de técnicas de reprodução, é possível migrar alguns conceitos para a realidade cinematográfica. A indústria não permite à sua obra prezar-se de áurea, visto que não existe contemplação e culto à mesma.
Pela concepção de arte de Walter Benjamin não é possível afirmar que o cinema de hoje enquadra-se no grupo das artes e, sim, em um grupo que obedece a uma tendência. Requer meios tecnológicos avançados e equipes capacitadas, o que exige alguns milhões para a produção e pede milhões de volta em seu lançamento. Partindo desta análise, destaca-se uma diferença substancialmente essencial: a indústria produz o filme para vendê-lo e para vender os produtos dos patrocinadores, enquanto o cinema de Chaplin representa e comunica a realidade, a fim de entreter e comunicar transformações na sociedade.
Nos primeiros anos, o cinema conflitou com a autenticidade do real que este novo meio proporcionava e a magnífica facilidade com que se produziam simulações, tendo em vista o público ingênuo e crédulo que lotava as salas dos cinemas.
A tentativa de se aproximar dos filmes mudos, acabam-se por descaracterizá-los e até destruí-los: “(...) Se alguém conhecer e amar o cinema mudo precisa ter bem claro que sua linguagem é diferente da usada pelo cinema sonoro”.(Antônio Costa, 1989)
O aparecimento do som foi uma revolução para o cinema, tanto na estética do filme, quanto para as técnicas de produção e nos níveis econômicos da indústria cinematográfica.
“O cinema falado marcou o fim da produção cinematográfica russa porque, como qualquer outra cultura atrasada ou oral, os russos mostram, uma necessidade irresistível de participação, que se frustra quando acrescentamos o som à imagem”. (Mashall McLuhan, 1969)
Já a ideologia dominante no cinema moderno, é uma ideologia em constantes transformações, ou seja, a subjetividade individual ou coletiva, capazes de entender mudanças, acelerar ou produzir tipos de transformações seja ela social, política ou moral.
Os cineastas trabalham com o intuito de transportar o espectador do próprio mundo onde vive para o filme, evidenciando assim, que cada vez mais, estes passam pela experiência aceitando-a subliminarmente e sem criticá-la. Somos transportados para um outro mundo, onde tudo se torna realidade.
Segundo McLuhan, o filme Tempos Modernos é uma sátira às tarefas modernas, Chaplin apresenta em seu personagem verdadeiras acrobacias que pessoas fazem para realizar inúmeras tarefas cotidianas, o que seria chamado por McLuhan de “mímica do robô”, cuja função seria se aproximar ao máximo da condição de vida humana.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Foram selecionados dois tipos de métodos para que o tema do estudo em questão possa melhor ser analisado, sendo o método observacional e o método comparativo. Cada metodologia agindo de acordo com suas características essenciais, sendo o observacional para analise do comportamento e do conteúdo dos filmes e o Comparativo para responder à questão do porque da transição de um tipo de produção para outro, no caso, do cinema arte para a indústria cinematográfica.
RESULTADOS
No filme “Tempos modernos”, de Charles Chaplin, o cinema estava em seu estado mais puro, o ator e o personagem se completavam e o cinema proporcionava o prazer de representar. Chaplin foi o que podemos chamar de ator e diretor brilhante, que mesmo sem todos os recursos tecnológicos que existem hoje, até mesmo sem áudio, conseguiu transmitir no cinema toda a sua essência. No cinema arte, o cinema puro, ator e personagem procuravam ao máximo não se dissociarem, mas com a com a chegada da indústria cinematográfica, o ator perdeu parte do espírito do cinema arte e de seu poder de representação com naturalidade.
Blade Runner (1982) é um marco da chegada da indústria cinematográfica. Um filme em que várias seqüências de cenas foram transformadas em um verdadeiro “paraíso publicitário” o que, por um lado, ofertou ao filme a possibilidade de criar um ambiente mais real e, por outro, permitiu que o cinema perdesse um pouco de sua originalidade.
É importante mencionar que a indústria cinematográfica por meio de seu conjunto de técnicas consegue reproduzir mais de forma mais fiel o ambiente do mundo real. O Filme Blade Runner de 1982 pode ser visto como um reflexo da atualidade, pois o cenário
2 Fig. 1 – Fonte: http://www.brmovie.com/FAQs/BR_FAQ_Miscellaneous.htm REC – Revista Eletrônica de Comunicação - © Uni-FACEF 2007 – Edição 03 – Jan/Jun 2007
transpassa da ficção para uma realidade bem próxima: “a poluição, chuva ácida, violência, contrabando, superpopulação, solidão, burocracia, neocolonialismo, individualismo, degradação urbana, desintegração social e um sistema socioeconômico dominada pela razão técnica e pelo medo, capaz de destruir o ser humano tanto fisicamente quanto psicologicamente”. (Kunst, 2006)
Em “Tempos modernos”, o ator consegue incorporar de maneira significativa o papel do personagem, enquanto no cinema como uma indústria de entretenimento, o ator torna-se quase que um “exilado” para que o personagem assuma seu lugar.
Digamos que o cinema mudo já nasceu com sua concepção de arte “em cheque”, mas enquanto seu formato não se dirigiu a interesses econômicos e a inserção de propagandas possibilitadas pelos meios tecnológicos, ele enquadrou-se como uma representação genuína, por utilizar uma seqüência fotográfica, considerada um meio quente por McLuhan, meio no qual o expectador se individualiza e atua com sua própria percepção. Diferente da indústria cinematográfica e da TV que atuam como um mosaico de imagens que de certa forma “exila”
o expectador e faz com que ele participe de seu “jogo”.
Por outro lado, a indústria cinematográfica não é autêntica, porque sofre vários processos de manipulação e produção, o que requer uma equipe consideravelmente grande para tal trabalho. Além disso, a indústria cinematográfica não é única porque se repete e perde seu estado puro.
Apesar de os meios da atualidade proporcionarem uma produção de alta qualidade e infinitos efeitos especiais capazes de impressionar o público, estes métodos de reprodução fazem parte de uma nova era e de uma tendência que não busca mais reproduzir o formato inicial do cinema, e nem valorizar tanto a arte como na época de Chaplin.
A transição do cinema arte para a indústria cinematográfica, se deu principalmente pelo avanço tecnológico que proporcionou aos meios, técnicas de reprodução mais avançadas que otimizam o campo da comunicação, abrindo espaço para a propaganda com interesses comerciais dos patrocinadores.
É inevitável que o formato do cinema não se modifique com a evolução tecnológica. As mudanças continuaram ativas adaptando-se ao mundo capitalista, sendo assim, o cinema que pudemos conhecer com Charles Chaplin dificilmente será reproduzido pela indústria cinematográfica.
A evolução não significa que os filmes de Chaplin serão perdidos ao longo do tempo, pois convenientemente existem aqueles que se preocupam em manter inesquecível a memória da sétima arte.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Do ponto de vista empreendedor o cinema é ao mesmo tempo, arte e indústria, pela razão de expor sua produção ao público em troca de um determinado valor, ou seja, assistir a um filme tem seu preço. Um dos objetivos mais importantes da indústria cinematográfica é alcançar um lucro exorbitantemente alto, desprezando o que um dia foi essencial para sua criação: a arte de representar. Por outro lado, do ponto de vista artístico, a transição do cinema arte para a indústria cinematográfica causou uma degradação do que era concebido como arte, simplesmente, mudou a forma de como são produzidos os filmes e como o ator incorpora o personagem devido aos avanços tecnológicos. Do ponto de vista artístico somente o cinema pode ser considerado arte por possuir áurea, unicidade e autenticidade.
É indiscutível a genialidade da representação de Charles Chaplin, mas não há como barrarmos o desenvolvimento para manter aquele formato inicial do cinema. De alguma forma, a indústria cinematográfica também é contemplada por seus espectadores por toda a magia que ele pode nos proporcionar, é como se ele transportasse o espectador para um mundo perfeito e sem problemas onde podemos sonhar livres de qualquer tipo de censura e viajar pelo imaginário de forma agradável, mesmo que não necessariamente valorize a arte da representação em seu sentido mais puro, isso porque os efeitos especiais, os cortes e todas as outras técnicas dominam a produção permitindo que ator fique mais “afastado” do que na época de Chaplin, onde a representação do mesmo era essencial. A indústria cinematográfica pode ser considerada como arte coletiva segundo McLuhan, porém dizer que a mesma se enquadra no significado original da palavra arte, seria um equívoco, visto que a caracterização artística corrompida do cinema é que faz nascer à indústria cinematográfica, e dizer que o cinema também é indústria só seria possível do ponto de vista empreendedor.
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter; HORKHEIMER, Max; ADORNO, Teodor W.; HABERNAS, Jurgen. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade. Tradução de José Rino Grunnewad. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
CLAUDE, Robert. BACHY, Victor. TAUFOUR, Bernard. A panorâmica sobre a 7ª arte. 1 ed. São Paulo: Edições Loyola, 1982.
COSTA, Antonio. Compreender o cinema. São Paulo, Editora Globo, 1989.
KUNST. Disponível em: <http://www.fcraft.com.br/blog/?p=244> Acesso em 27 de abril de 2007.
MCLUHAN, Marshall. Cinema: O mundo real do rolo. In: Os meios de comunicação como extensões do homem. Tradução de Décio Pignatari. São Paulo: Autrix, 1969.
Revista época on-line. Disponível em: <http://epoca.globo.com/edic/20020121/cult1a.htm> Acesso em 27 de abril de 2007.